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De mocinho a vilão


Quando o glúten tornou-se um dos principais vilões alimentares ao protagonizar a doença celíaca, alergias e distúrbios gastrointestinais?


Talvez tenha sido quando o indivíduo passou a consumi-lo demais. Afinal, o glúten está presente apenas no trigo, no centeio e na cevada, o que seria plausível caso um deles não fosse massivamente ingerido no mundo inteiro. Segundo o Centro Internacional de Pesquisas para o Desenvolvimento (IDRC), no Canadá, metade de todas as calorias consumidas no planeta vem de apenas três alimentos: arroz, milho e trigo. Sem dúvida, o trigo é o mais cultivado deles, pois está inserido em quase tudo o que se come: das comidas “gostosas” – pão, pizza, massas, hambúrgueres, biscoitos, bolos, etc. – até onde menos se espera – em muitos molhos e congelados. Além do mais, a cerveja (uma bebida bastante apreciada em grande parte do planeta) possui cevada que, por sua vez, contém glúten. Logo... Fica fácil adivinhar: a ingestão de glúten alcançou proporções extraordinárias e globais.

Que o ser humano venha exagerando no consumo do glúten já está bem compreendido e, como todos sabem, tudo que é demais faz mal. No entanto, o que piora muito a situação é a “mudança genética que modificou a espécie, que antes tinha 14 cromossomos para os incríveis 42 cromossomos”, explica o endocrinologista Lucas Penchel. “O DNA humano não mudou muito nos últimos anos, mas a comida que comemos SIM.”

A mudança genética que o dr. Penchel cita é a que veio junto com a Revolução Verde, na segunda metade do século passado, que até rendeu o Prêmio Nobel da Paz de 1970 ao engenheiro agrônomo americano Norman Borlaug (1914-2009). A chamada Revolução Verde foi uma série de iniciativas ocorridas entre 1950 e o final da década de 1960 que possibilitaram um aumento na produção agrícola de grãos (como o trigo e o arroz), com base no melhoramento genético de espécies vegetais, associadas à adoção de agroquímicos, na irrigação controlada e no cultivo mecanizado.

Na época, as pragas haviam devastado grande parte da produção de trigo na América do Norte e Central. Simultaneamente, a população mundial crescia vertiginosamente e a fome começava a dar sinais alarmantes. Por isso, o aprimoramento genético proposto por Borlaug foi o responsável por multiplicar a produtividade do trigo e melhorar seu processamento. “Se considerarmos que este novo trigo oferece uma quantidade 20 vezes maior de glúten que seu antepassado não modificado e que sua quantidade nutritiva não tivesse se esgotado, podemos concluir que o aumento do consumo do glúten ultrapassou os níveis seguros para o organismo humano, sendo a explicação para tantos problemas”, afirma Penchel.

Adotar uma dieta que não contém glúten é a única alternativa para quem possui a doença celíaca. Mas a incidência de alergias alimentares no mundo cresceu 50% entre 1997 e 2013, segundo um estudo do Centro para Controle e Prevenção de Doenças: na China, os casos mais que dobraram; na Europa, subiu 700% e, no Brasil, dois milhões de pessoas têm algum tipo de alergia à comida. Portanto, o glúten pode ser o gatilho para diversos sintomas e doenças – como obesidade, diabetes, enxaqueca, depressão, déficit de atenção –, bem como uma opção segura para quem procura uma alimentação mais saudável e nutritiva. Ou seja: é uma alternativa para quem também está bem.

No entanto, a real dimensão dos benefícios de uma dieta sem glúten, assim como a biometria, é algo particular, só pode ser sentida individualmente e depende da decisão de cada um.

 

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por Ana Cristina Stabelito

jornalista e sócia-proprietária da CampoCozinha

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